No Recife, o racismo ambiental tem agravado a vulnerabilidade de jovens LGBTQIA+ em áreas periféricas. Após enchentes em 2022, muitos recorreram ao trabalho sexual como forma de sobrevivência diante da falta de apoio e respostas do poder público.
Essa realidade evidencia a necessidade de ampliar o debate sobre justiça ambiental, incluindo experiências invisibilizadas e reconhecendo como a crise climática redefine identidades e estratégias de vida nas margens urbanas.
Impactos das enchentes e exclusão social
A destruição de moradias e a ausência de respostas efetivas do poder público intensificaram a vulnerabilidade socioeconômica em bairros como Brasília Teimosa. Jovens, especialmente homens que fazem sexo com homens (HSH), passaram a adotar estratégias emergenciais, como o trabalho sexual, devido à limitada rede de apoio local.
Além da perda material, esses jovens enfrentam preconceito e segregação. A proximidade com o bairro Pina, área de classe média alta, e a faixa de praia onde a comunidade LGBTQIA+ conquistou visibilidade, facilitaram o acesso ao trabalho sexual masculino. A literatura acadêmica sobre o tema no Brasil é escassa, mas aponta que o corpo se torna principal recurso de troca diante da exclusão econômica e ambiental, agravada pelas chuvas intensas.
O trabalho sexual, especialmente a atividade do “michê”, é visto como ato de resistência frente a marcadores sociais como raça, classe e masculinidades, e às dinâmicas do racismo ambiental que afetam corpos dissidentes nas periferias das grandes cidades.
Da pandemia à emergência climática
O psicólogo e doutorando em Antropologia pela Universidade de Carleton, no Canadá, esteve no Recife em 2022 para estudar os impactos da COVID-19 na população HSH. Contudo, o cotidiano em Brasília Teimosa foi marcado pelos efeitos da emergência climática e pelas perdas materiais causadas pelas chuvas. Entrevistados relataram ansiedade, depressão e raiva, indicando vulnerabilidade psicoemocional agravada pelo deslocamento forçado.
A interseção entre sexualidades, juventude periférica e crise climática permanece invisibilizada na produção acadêmica e na mídia, tornando urgente o reconhecimento dessas experiências nos debates sobre justiça ambiental.
Trabalho sexual e vínculos afetivos
Casos como o de Allan, jovem que iniciou o trabalho sexual após as enchentes de 2022, ilustram a complexidade da prostituição masculina no Brasil. Allan preferia o sexo transacional, recebendo presentes em vez de dinheiro, e estabelecia vínculos afetivos com clientes, vistos como “amigos”. Essa dinâmica suaviza as fronteiras entre prostituição, afeto e poder, permitindo reconstruir a vida após a perda de bens materiais.
A estratégia de sobrevivência baseada em “amigos generosos” é marcada pelo silêncio e ambiguidade, sustentando vínculos afetivos diante do estigma social. Para Allan, os móveis e eletrodomésticos novos eram explicados à companheira como presentes de amigos, ajudando a manter a estabilidade emocional do casal.
Justiça ambiental e políticas públicas
O racismo ambiental atua como tecnologia de poder, selecionando vidas protegidas e expondo outras ao risco e à invisibilidade. Essa lógica necropolítica restringe direitos fundamentais e produz novas formas de marginalização, como o ingresso no trabalho sexual masculino.
Reconhecer essas trajetórias é essencial para pensar políticas públicas interseccionais e justiça climática, considerando centralidade do território, sexualidade não heteronormativa e juventude periférica na produção de vidas dignas. As narrativas de Allan e Derick revelam estratégias de sobrevivência que vão além da resposta individual, refletindo processos históricos de desigualdade de classe, raça, gênero e sexualidade.