O uso de pilhas de rejeito na mineração cresce no Brasil após a proibição das barragens a montante desde 2019. Sem regulamentação federal para fiscalização, essas estruturas preocupam comunidades e especialistas devido aos riscos ambientais e à ausência de protocolos claros.
Órgãos estaduais assumem a fiscalização, mas enfrentam limitações de estrutura e legislação. Casos de deslizamentos recentes reforçam a pressão por normas federais, enquanto o governo prevê regulamentação apenas para 2026.
Avanço das pilhas de rejeito e riscos ambientais
Com o endurecimento das normas para barragens após tragédias como Mariana e Brumadinho, mineradoras passaram a adotar pilhas de rejeito para armazenar resíduos. Essas pilhas, no entanto, não possuem regulamentação federal específica, o que gera riscos de contaminação do solo, da água e de deslizamentos. Especialistas alertam que a ausência de regras dificulta a prevenção e resposta a acidentes.
A fiscalização cabe a órgãos estaduais, frequentemente sem estrutura adequada. Segundo a Agência Nacional de Mineração (ANM), não há cronograma de vistorias nem equipe exclusiva para pilhas, ao contrário das barragens, que contam com legislação e cadastro público. O tema só entrou na agenda regulatória federal para o biênio 2025-2026.
Casos recentes e impactos sociais
Desde 2018, foram registrados ao menos quatro deslizamentos envolvendo pilhas de rejeito ou estéril. O caso mais grave ocorreu em Conceição do Pará (MG), onde sete casas foram atingidas e cerca de 250 pessoas precisaram ser realocadas. Um acordo entre Jaguar Mining, Defensoria Pública e Ministério Público Federal definiu indenizações, mas a delimitação da área de segurança ainda não foi concluída.
Outros episódios incluem deslizamentos em Godofredo Viana (MA) em 2018 e 2023, e erosão em pilha da AngloGold Ashanti em Santa Bárbara (MG) em 2022. A deputada Duda Salabert (PDT-MG) propôs um projeto de lei para regulamentar a segurança das pilhas, em tramitação na Câmara desde novembro de 2024.
Pressão por regulamentação e desafios técnicos
Organizações ambientais e comunidades afetadas pressionam o governo federal por normas que garantam segurança e transparência no uso das pilhas de rejeito. Segundo Júlio Nery, diretor do Ibram, o setor segue normas técnicas próprias e recomendações internacionais, mas elas não têm força de lei. Ele destaca que projetos devem prever monitoramento, estudos de risco e planos de emergência, mas admite a variabilidade das dimensões das pilhas conforme a geografia local.
Especialistas como Euler Cruz e Júlio Grillo alertam para a falta de preparo das estruturas frente ao aumento das chuvas causado por mudanças climáticas. Grillo afirma que, embora o potencial de dano das pilhas seja menor que o das barragens, a probabilidade de rompimento é maior devido à ausência de fiscalização e transparência nos cálculos estruturais.
Dados da Vale mostram que atualmente 70% dos rejeitos da mineradora estão em pilhas, contra 40% em 2014. A Samarco empilha cerca de 80% dos rejeitos desde 2020. O país possui mais de 3 mil pilhas de rejeito, estéril ou mistas, sendo 232 apenas de rejeitos, com destaque para as de ferro e ouro, que apresentam riscos elevados de toxicidade.
O procurador Carlos Bruno Ferreira, do Ministério Público Federal, ressalta que a falta de regulação facilita a adoção das pilhas, pois as mineradoras não são obrigadas a instalar equipamentos de monitoramento ou equipes de segurança, tornando o armazenamento mais simples e menos seguro.