Pesquisadores da UFRJ, Instituto Butantan e USP desvendaram o papel do RNA ribossômico na transformação de proteínas normais em príons patogênicos. O estudo, publicado na revista RNA Biology, aponta que moléculas de RNA podem ser cofatores essenciais nesse processo, ampliando o entendimento sobre doenças como a vaca-louca.
Essas enfermidades, transmissíveis e fatais, desafiam a medicina por sua origem incomum: uma proteína do próprio organismo que se torna infecciosa. As descobertas podem abrir caminhos para novas terapias.
O mistério das doenças priônicas
As doenças priônicas, como a vaca-louca e a doença de Creutzfeldt-Jakob, são enfermidades neurodegenerativas transmissíveis. Elas surgem quando uma proteína do próprio corpo passa a agir de forma patológica, infectando outras proteínas. O termo “príon” deriva da junção de “proteína” e “infecciosa”.
O interesse global por essas doenças cresceu após o surto da vaca-louca no Reino Unido nos anos 1980, que levou ao sacrifício de mais de 4 milhões de animais e à transmissão da doença a humanos por meio do consumo de carne contaminada. Essas enfermidades afetam o sistema nervoso e se assemelham a outras doenças neurodegenerativas, como Alzheimer e Parkinson, mas se destacam por serem transmissíveis e fatais, sem tratamento disponível.
Descobertas do estudo brasileiro
No estudo conduzido por grupos da UFRJ, Instituto Butantan e USP, os pesquisadores identificaram moléculas específicas de RNA, especialmente o RNA ribossômico (RNAr), como cofatores essenciais na conversão da proteína priônica normal em sua forma patogênica. Utilizando culturas de células neuronais de camundongo, eles observaram que a interação entre RNAr e proteínas priônicas gerou agregados insolúveis semelhantes aos encontrados em pacientes com doenças priônicas. Esses agregados mostraram comportamento infeccioso ao induzir toxicidade e estimular a formação de novos grumos em células.
A análise detalhada revelou que regiões específicas do RNAr, com padrões de sequência como “UUUU” ou “GAGA”, favorecem a ligação à proteína príon. Mesmo após tratamento enzimático, essas regiões continuaram associadas à proteína, indicando uma interação forte e potencialmente decisiva. A proporção entre proteína e RNA também se mostrou relevante: menos proteína resulta em misturas líquidas menos agressivas, enquanto o aumento da proteína leva à formação de agregados insolúveis e infecciosos.
Implicações e perspectivas futuras
Uma hipótese levantada pelos pesquisadores é que mecanismos naturais de defesa celular, como a formação de “grânulos de estresse” em situações adversas, podem facilitar a transformação de proteínas normais em príons patogênicos. Esses compartimentos celulares, ricos em RNAs e proteínas, criam um ambiente propício para a mudança estrutural das proteínas.
O estudo sugere que o RNAr, tradicionalmente visto apenas como intermediário na produção de proteínas, desempenha papel ativo na formação de agregados tóxicos. Isso pode contribuir para a compreensão não só das doenças priônicas, mas também de outras enfermidades causadas por agregados proteicos, como Alzheimer e Parkinson.
O trabalho contou com apoio do INCT de Biologia Estrutural e Bioimagem (CNPq e FAPERJ), Fundação Butantan (FAPESP) e CAPES. Os pesquisadores destacam que ainda há muito a ser descoberto sobre o papel do RNAr nesses processos, mas acreditam que o conhecimento gerado pode orientar o desenvolvimento de terapias capazes de impedir a formação ou propagação desses agregados, oferecendo esperança para doenças atualmente sem cura.