Mesmo com recorde de multas, o número de suspensões de carteiras de habilitação caiu mais de 20% desde 2022, após mudanças nas leis de trânsito. Especialistas apontam que o afrouxamento das punições e a burocracia federal dificultam o combate à violência viária. Enquanto isso, mortes e acidentes voltaram a crescer, especialmente entre motociclistas, e investimentos em segurança seguem baixos.
Investimentos represados e desafios na fiscalização
Apesar da arrecadação de R$ 810 milhões em multas em 2024, apenas R$ 54 milhões foram aplicados em segurança viária, segundo o Atlas da Violência. O restante dos recursos do Funset é contingenciado pelo Ministério do Planejamento, dificultando ações efetivas. Maria Alice Nascimento, do Ministério dos Transportes, afirma que a burocracia federal e a falta de equipes técnicas nos municípios impedem o acesso aos recursos.
Enquanto isso, cidades como Natal (RN) mostram que o uso local dos valores arrecadados pode trazer resultados. A secretária municipal Jódia Melo relata que o município dobrou radares e ações educativas, reduzindo em 18% as mortes no trânsito em 2024. Para especialistas, a fragmentação dos dados e a ausência de coordenação nacional dificultam políticas públicas integradas.
Cresce o apoio à criação de uma Agência Nacional de Segurança Viária, com orçamento próprio e autonomia, para padronizar dados, fiscalizar e monitorar resultados. “Hoje, não existe uma entidade com esse papel sistêmico. Cada estado produz seus próprios indicadores, quando produz”, diz Jorge Tiago Bastos. Ferraz complementa que a agência poderia gerir ações em todos os níveis federativos.
Impacto das mudanças no código de trânsito
Desde 2021, o novo limite de 40 pontos para suspensão da CNH permite que motoristas acumulem várias infrações graves sem perder o documento imediatamente. Isso contribuiu para a queda nas punições, mesmo com o aumento de multas, especialmente por excesso de velocidade, que seguem representando mais de 40% das infrações.
Para veículos registrados em CNPJ, a regra também mudou: se o condutor não for identificado, apenas o valor da multa é dobrado, sem acúmulo de pontos. Isso reduziu ainda mais as suspensões para empresas.
Mortes e acidentes voltam a crescer
Após uma queda de 24% nas mortes no trânsito entre 2013 e 2019, impulsionada por ações educativas, crise econômica e legislação mais rígida, o cenário se inverteu. Entre 2020 e 2024, acidentes e mortes aumentaram: 6.153 mortes nas rodovias federais em 2024, alta de 9,6% segundo a CNT, e 73.114 acidentes, maior número desde 2015.
Motociclistas lideram estatísticas de óbitos
Segundo o Atlas da Violência, motos respondem por 38,6% das mortes no trânsito. Entre 2018 e 2023, os óbitos de motociclistas saltaram de 11.435 para 13.477, impulsionados pelo crescimento da frota e pelo aumento de entregadores de aplicativos após a pandemia. Mais da metade das motos está em nome de pessoas sem habilitação adequada, dificultando a fiscalização e agravando o problema.